dúvidas

1 - resolvendo a questão proposta pelo excelente aluno Pedro, 8.ª C, a Groenlândia é uma ilha que faz parte da América mas pertence à Dinamarca.
2 - retificando a questão proposta pela excelente aluna Joyce, 8.ª B- realmente, as fezes do morcego também são chamadas de guano - eu errei!!!

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Líbia - fonte: http://riscafolha.blogspot.com/2011/04/libia-e-gaddafi.html


Libia e Gaddafi

Capa de Abril de 1986
Desde as primeiras notícias sobre os protestos em Tripoli, com o relato de pilotos da Força Aérea Líbia fugindo para Malta por se recusarem a atacar manifestantes, tenho ouvido as mais diversas opiniões sobre Gaddafi e seu regime. Quando começou a se falar em intervenção militar então, as informações se tornaram ainda mais desencontradas, com algumas perguntas que aparentavam ser muito simples, apresentando respostas bem mais complicadas.
Por que intervir? A justificativa oficial dada por EUA, França e Reino Unido não cola. Quer dizer que eles atacam a Líbia porque o governo usou aparato militar para atacar civis? Ora, eu também acho que não devemos assistir de braços cruzados enquanto essas pessoas que se manifestavam pacificamente são assassinadas, mesmo que isso ocorra em outro país... Mas convenhamos, nenhum desses governos que agora atacam a Líbia pareceu se incomodar  muito com os massacres no Yemen ou com a intervenção saudita no Bahrein, por exemplo. A justificativa fica ainda mais esdrúxula quando nos lembramos do genocídio palestino, há décadas perpetrado pelo Estado de Israel - que ainda por cima recebe polpuda mesada do aliado estadunidense para isso.

Mas por que a Libia e Gaddafi são diferentes? Se você leu a legenda da figura acima, já percebeu que não é de hoje que os EUA tem algumas "diferenças" com o ditador líbio. Em 1986, em represália à política do Estado líbio de oferecer recursos, armas e treinamento para os mais diversos grupos políticos anti-imperialistas do mundo - muitos deles com práticas terroristas (como IRA e Setembro Negro) - Reagan ordenou o bombardeio de alvos estratégicos na Líbia. Os bombardeios mataram  metade da cúpula militar líbia, além de muitos civis (incluindo a mulher e a filha do próprio Gaddafi), mas o governo só foi renunciar a esse tipo de política muitos anos depois.


A Líbia é essa parte rosa no norte da África
Ainda que essa parte da história seja reveladora, ela não começa por ali, vem de muito mais longe. Ela remonta a independência da Líbia e a ascensão do rei Idris I, em 1951. Por mais de 500 anos, partes importante do norte da África e península arábica foram territórios do Império Turco-Otomano. Com o avanço imperialista do século XIX, lugares mais estratégicos, como o Egito, passaram para a zona de influência do britânicos, mas foi somente com a Primeira Guerra Mundial (na qual o Império Turco-Otomano lutou ao lado do Austro-Húngaro e Alemanha) que a maior parte da região foi dividida entre França e Reino Unido. A região que hoje forma a Líbia foi conquistada pela Itália um pouco antes, em 1911, já refletindo a decadência dos turcos. As regiões da Tripolitânia,Cirenaica e Fezã, que mais tarde passaram a ser chamadas de Líbia, ficaram sob  violento domínio italiano até a Segunda Guerra Mundial, quando as batalhas de Rommel e Montgomery acabaram por definir para os aliados a posse daqueles territórios.

Idris I e o então vice-presidente Nixon
O antigo emir da Cirenaica, Idris al-Mahdi as-Senussi, que havia sido importante liderança na luta contra a ocupação italiana, acabou sendo reconhecido em 1951, pela ONU, como primeiro (e único) monarca da Líbia. O rei Idris I era nada mais que um rei-fantoche, como tantos outros empossados pelas potências ocidentais na região, permitindo não só a livre exploração econômica (e muitas vezes sexual) de seu povo mas também grandes bases militares de EUA e Reino Unido em seu território. Foi durante o seu reinado que o petróleo foi descoberto no país (1959), sendo esses prontamente entregue pelo rei nas mãos de multinacionais estrangeiras. Com a super-exploração do trabalho, enorme desigualdade social e a constante humilhação a que era exposto o povo líbio, não demoraria muito até que a insatisfação crescesse a níveis insustentáveis. Inspirados por Gamal Abdel Nasser, presidente pan-arabista egípcio, um grupo de oficiais descontentes derrubou a monarquia e instituiu a República Árabe da Líbia em 1969. Gaddafi (que tinha apenas 27 anos) logo se destacou como líder da revolução.

O jovem Gaddafi e o egípcio Nasser
O novo governo, como todos aqueles resultantes dos golpes e revoluções que aconteceram no período que vai do fim da Segunda Guerra até a queda de Allende (incluindo o brasileiro), adotou logo um modelo de industrialização tardia recuperadora nos moldes da URSS; uma economia planejada, estatista, voltada para as indústrias de base e fortemente centralizada. Na Líbia, em que a revolução era também anti-imperialista, não demorou muito até que começassem a nacionalizar a produção de petróleo e expulsar as multinacionais estrangeiras - ato esse que contaria com importantes repercussões futuras. 

Pressionados pelo fim da equivalência-ouro do dólar em 1971 (com consequente desvalorização dessa moeda),  e pelas crescentes tensões árabe-israelenses na região, os produtores de petróleo organizados na OPEP começaram a impor um maior controle dos preços e da distribuição mundial de petróleo. A Líbia de Gaddafi era ator importante desse processo de rearticulação, e medidas importantes, como a renegociação dos contratos em 1971 (em que o preço dos barris foi de U$1 para U$ 3), o embargo de distribuição à Israel e mais tarde o embargo aos EUA, tiveram em si grande influência do líder líbio.

Enquanto isso, em 1970, o governo recém instalado também exigiu a saída dos militares americanos e britânicos de suas respectivas bases localizadas na Líbia. Tais atitudes obviamente enfureceram as potências ocidentais, principalmente os EUA e, em um mundo dividido por dois, não havia então outra alternativa que não se aproximar militarmente da URSS. Ainda assim, Gaddafi mantinha forte inspiração em Nasser e articulações no Movimento dos Países Não Alinhados, reforçando a idéia de uma "terceira via" anti-imperialista, e discursando contra o avanço do "comunismo" soviético no mundo árabe.

O Coronel Gaddafi e o Marechal Tito, da Iuguslávia
O regime que veio à seguir é, não sem razão, alvo de muitos debates. Ainda que tenha sido constituído de medidas que realmente pareceram voltadas à instituir uma democracia direta e uma economia em auto-gestão, era também recheado da repressão ideológica e de elementos autoritários típicos de uma autocracia. A proibição a greves, os "comitês da revolução" (que serviam para "supervisionar" a atuação dos congressos populares), a violenta repressão à diversidade política, tudo isso deixava o governo da Líbia bem menos atraente na prática do que era no Livro Verde de Gaddafi. Seus "congressos populares" locais, que deviam permitir que as decisões fluíssem de baixo para cima na estrutura de poder, terminavam sendo instrumentos para que elas fossem impostas de cima para baixo, com grande controle burocrático e ideológico por parte de um grupo central.

As relações externas não eram menos complicadas. Muito embora se apresentasse como defensor dos povos oprimidos e apoiasse movimentos anti-imperialistas e de libertação no mundo inteiro (mutos deles aliás, por si só, contraditórios), Gaddafi  também mantinha relações muito próximas com figuras como Idi Amin, então sanguinário ditador de Uganda.

Os parceiro de Bunga-bunga
A sua política de apoio a atos terroristas acabou sendo punida. Depois de sofrer os ataques de Reagan em 1986 e de supostamente financiar um atentado aéreo no Reino Unido dois anos depois, a Líbia foi submetida em 1992 pela ONU a importantes sanções econômicas, que só seriam suspensas em 1999.  Foi então que Gaddafi iniciou uma política de maior aproximação com as potências do ocidente. A mudança foi tão grande que Gaddafi chegou a declarar publicamente apoio à "Guerra ao Terror" de George W. Bush. Desse período em diante, a política interna líbia foi marcada por privatizações e por uma presença estrangeira cada vez maior na economia, enquanto a atuação internacional de Gaddafi passou a ser mais notória peloBunga-bunga e por sua participação acionária em empresas como a FIAT e a Juventus.

Ainda assim, com o passar dos anos, o país conseguiu alcançar bons indicadores sociais, melhores inclusive que os do Brasil. Hoje apresenta o maior IDH da África (0,755), invejável distribuição de renda e uma expectativa de vida de 77 anos. Os indicadores econômicos também não ficam muito atrás - o país teve uma média de crescimento de aprox 5% ao ano na última década. Não foi à toa então que os protestos no país desembocaram em uma guerra civil, em vez de uma deposição rápida como na Tunísia e no Egito.


A  ação militar na Libia portanto é política, muito antes de ser humanitãria. Num momento em que as potências ocidentais enfrentam graves crises dentro de suas próprias fronteiras, a revolta contra o excêntrico ditador líbio era a oportunidade que faltava para intervir na imprevisível revolução árabe. (As ricas reservas petrolíferas do país certamente completam o quadro, muito embora já tivessem sido entregues às multinacionais anteriormente, sem necessidade de ação militar direta). O fato das potências intercederem a favor dos insurgentes não deve dar margem a falsas interpretações - sua atuação é em favor da ordem, tem o objetivo de controlar o curso das mudanças. A questão então vai muito além desse único país e seu ditador, o que está em jogo agora é toda a revolução árabe. Como poderá ela avançar quando o império espreita?

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